João Antônio de Azevedo Cruz ou simplesmente Azevedo Cruz, como ficou conhecido o maior poeta campista, foi também dono de café, jornalista, militar, advogado, deputado estadual e chefe de polícia.
Nasceu em um lugarejo conhecido como Ponta da Lama na freguesia de Santa Rita da Lagoa de Cima, em 22 de julho de 1870. Sua mãe de nome Constantina era filha de escravos e acredita-se que era alforriada, pois possuía o sobrenome "Espírito Santo".
Igreja de Santa Rita de Cássia, padroeira de Lagoa de Cima.
Seu pai se chamava Joaquim
Antônio da Cruz, um solteirão de olhos azuis, estatura alta, morador da rua Barão do Amazonas e que alugava imóveis e cavalos de
sela.
Joaquim conheceu a jovem
Constantina em uma das suas muitas viagens de negócios ao lago dos sonhos
(forma como Francisco Portella se referia à
Lagoa de Cima) e viveu maritalmente com ela até o seu falecimento em 1903.
Tiveram 14 filhos, mas somente o primogênito de nome Antônio e o terceiro João
Antônio é que chegaram à fase adulta. Ambos
foram reconhecidos com legítimos pelo pai em escritura pública de 6 de novembro
de 1884.
Em 25 de outubro 1885, Joaquim
alterou o sobrenome e passou a assinar Joaquim Antônio de Azevedo Cruz, pois
existia um homônimo na Cidade. Consequentemente, os
dois filhos também incorporaram o 'Azevedo' ao sobrenome.
Azevedo Cruz fez o curso
primário no Colégio dirigido por Cornélio Bastos e,
em 17 de setembro de 1885, matriculou-se no curso preparatório do Liceu de
Humanidades.
Antigo Solar do barão da Lagoa Dourado, hoje sede do Liceu de Humanidades de Campos. (foto: F. P. Carneiro)
No ano de 1888, foi
proprietário do café de L´Opera, que ficava na esquina da rua 13 de maio, 119, com rua Oliveira Botelho. O local era ponto de
encontro da geração liceísta.
Cursou inicialmente a Faculdade
Livre de Direito no Rio de Janeiro e concluiu na Faculdade de São Paulo, em 1895, período em
que foi colega do poeta simbolista Alphonsus de Guimarães e do historiador Alberto Frederico de Moraes Lamego.
Durante a Revolta da Armada
Naval em 1893, incorporou-se ao Batalhão Acadêmico São Paulo, tendo atuado na
frente de batalha na Bahia de Guanabara. Ficou aquartelado no Rio de Janeiro e
alcançou o posto de tenente.
Após sua formatura, regressou a
Campos e, em 1896,
começou a atuar como advogado. Teve escritório no Edifício do Banco Hipotecário
(Banco Vovô) e na Praça do Santíssimo Salvador, 26. Nessa época morava com os
pais na rua Barão de Amazonas, 78, hoje Nº 98.
Prédio na rua Barão de Amazonas, 98, última residência de Azevedo Cruz em Campos.
Tendo o casal Annita e Nilo
Peçanha como padrinhos, casou-se no Rio de Janeiro,
em 3 de setembro de 1898, com Adelaide Bastos
Lobo, filha do tenente-coronel Teófilo Virgilio
Lobo, fazendeiro de São José do Calçado, ES.
Dessa união tiveram os filhos Joakim
Theóphilus de Azevedo Cruz, nascido em 30 de
janeiro de 1900 e falecido em 5 de outubro de 1971 e Vera Cruz, nascida em
29 de junho de 1903 e falecida em 25 de julho de 1971. O casal morou um curto
período em uma chácara na esquina da rua Voluntários da Pátria com Salvador
Correia, mas logo retornou para a casa do pai na rua Barão
do Amazonas.
Fotografia da visita de Nilo Peçanha e comitiva a Usina do Limão em 1901. Azevedo Cruz aparece no canto inferior esquerdo. (foto: Coleção Dario Marinho)
Com o apoio do grupo político
de Nilo Peçanha, foi eleito deputado estadual à
Assembleia Fluminense, em pleito realizado em 30
de dezembro de 1900, sendo o segundo mais votado com 5.718 votos.
A convite do presidente do
Estado do Rio, Quintino Bocayuva , assumiu o cargo de chefe de polícia do
Estado do Rio de Janeiro em 29 de julho de 1903.
Em 6 de fevereiro de 1887,
publicou o seu primeiro verso 'Teus Olhos' na revista 'A Aurora', onde colaborou até 1892. Depois de formado, atuou
de forma destacada no jornalismo, escrevendo para os jornais A República,
Gazeta do Povo e Monitor Campista.
Para o teatro escreveu duas
revistas: 'A
terra da goiabada', de 1896, em parceria com Alvares de Azevedo Sobrinho e 'Benta Pereira', de 1899, ambas
encenadas no Teatro São Salvador. 'A terra da
goiabada' foi o primeiro processo de direito
autoral registrado no país, com base na Lei Nº
496/1898, também denominada Lei Medeiros e Albuquerque.
Organizado e publicado por
amigos o livro “Profissão de Fé” foi impresso em 1901 na tipografia de “Ao
Livro Verde” e celebra com inspirados versos fatos e vultos da terra.
Obras: "A Terra da Goiabada" (1896), "Benta Pereira" (1899), "Profissão de Fé" (1901) e "Sonho" (1943)
Junto com outros ilustres juristas
da Cidade de Campos, foi redator da revista 'Archivo
Juridico' em 1901.
Obtiveram fama em todo o país o
soneto 'Minha Senhora, o Amor' e o poema 'Amantia
Verba', (Declaração de Amor), dedicado a Campos
dos Goytacazes de 1901, cujos os versos foram utilizados pelo professor e
musicista Newton Périssé Duarte ao criar a melodia do 'Hino
a Campos'. 'Amantia
Verba' teve sua primeira publicação no jornal campista Gazeta do Povo em 15 de
julho de 1901 e foi escrito na Cidade de São José dos Calçados, RJ, onde
Azevedo Cruz se encontrava por conta de uma conferência política em favor da
candidatura de Quintino Bocayuva ao governo do Estado. O seu poema 'Floriano
Peixoto' causou geral impressão, declamado por
ele mesmo à passagem dos funerais daquele estadista.
Por
iniciativa da Academia Campista de Letras, foi publicada 'Sonho', nova seleção das suas poesias escolhidas, com 60 produções, pela
Coeditora Brasílica (Cooperativa), Rua 13 de Maio, 44-A, Rio de Janeiro, 1943.
Nela não foi incluída a poesia declamada nos funerais de Floriano Peixoto, que
teve repercussão nacional; e nela foi omitida a característica apóstrofe: 'Minha senhora o amor...'
sem a qual o soneto célebre começa abruptamente e perde grande parte do seu
efeito. Também o prefácio, do escritor Aurino Maciel, mal informado do ponto de
vista histórico e desprovido de caráter crítico, não faz sequer referência ao
movimento simbolista, de que Azevedo Cruz foi precursor decidido, e que liderou
em Campos. A sua admiração máxima, entre os poetas,
seus contemporâneos, era reservada a Cruz e Sousa, e não — aos parnasianos —
citados pelo prefaciador — cuja arte poética ele combatia.
Faleceu às 22h30 do dia 22 de
janeiro de 1905, em Nova Friburgo, onde se encontrava fazendo tratamento conta
a tuberculose. Além da família, estavam ao seu lado no dia do falecimento, o
médico dr. Pereira Faustino e o amigo farmacêutico Alberto Braune. Em clima de
grande comoção e muitas homenagens pelo povo campista, foi sepultado na mesma
noite no cemitério do Caju.
Última fotografia de Azevedo Cruz, feita cinco meses antes da sua morte.
Homenagens póstumas
Com projeto de Luiz Clemente e patrocinado por subscrição popular, em 27 de março de 1909 se encontrava erguido
um mausoléu no seu túmulo no cemitério do Caju, mas em 1943, na administração de Salo Brand, já se encontrava
danificado e foi substituído pela municipalidade por outra construção.
Atualmente não se tem a localização deste túmulo.
Por meio de subscrição popular, foi
instalada em 2 de agosto de 1914 uma herma em bronze na praça do Santíssimo
Salvador. A peça foi esculpida por Rodolfo Bernardelli e teve a sua remoção
para o Parque Nilo Peçanha em 1946.
Herma inaugurada em 1914 e que hoje se encontra no Parque Nilo Peçanha. (foto: Coleção Dario Marinho)
No bairro Ponta da Areia em
Niterói uma praça pública leva o seu nome.
Em 11 de novembro de 1954, o governo do Estado criou o Grupo Escolar Azevedo
Cruz no distrito de Outeiro, hoje escola municipal pertencente a Cardoso
Moreira.
Por decreto assinado pelo
prefeito Salo Brand em 1945, foi nominada rua Azevedo Cruz a antiga Boa Morte,
mas nenhuma administração municipal cumpriu essa Resolução.
O IHGCG está tomando providências junto a Câmara Municipal de Campos dos Goytacazes, para que seja quitada essa grande dívida do município com a memória do seu poeta maior.
Azevedo Cruz é patrono da
cadeira Nº 15 na Academia Campista de Letras, da cadeira de Nº 23, no Instituto Histórico e Geográfico de Campos dos
Goytacazes e na de Nº 8,
na Academia Fluminense de Letras.
Teus Olhos
Teus
olhos pequenos são gotas de orvalho
que
brilham nas rosas.
São
pérolas finas, são lindos botões,
das
flores mimosas.
Teus
olhos são lindos, tão vivos, tão belos,
têm
certa atração.
São
astros acesos que estão espargindo
imenso
clarão.
Estrelas
luzentes de brilho infinito,
sempre
rutilantes.
São
pedras que formam duas lantejoulas
e
bem cintilantes.
Olhei
para os teus olhos, achei-os cerrados,
que
dor que senti.
Fiquei
sem sentidos, a dor foi tão grande
que
quase morri.
Teus
olhos nas trevas guiaram-me sempre,
que
sorte feliz.
Mas
hoje que ausentes de luz, apagaram...
também
eu já quero o que outrora não quis.
E
clamo sem medo de que ela me fira,
com
golpe cruel.
Mas,
ah sorte ímpia!, sou tão desditoso
que
morro sem ver o meu guia fiel.
1887
Viagem
(A Gastão Bousquet)
'Nesta
barquinha audaz e temeraria
que
a phantasia nomade carrega
pelos
mares em fora, entregue a varia
sorte,
a minh’alma celere navega.
Melancolica
e triste como um paria,
as
brancas velas tumidas desprega,
e
acalentada pela procellaria
foge
no azul completamente cega.
Corta
do mar a superficie vasta;
e o
vento agita o seu velame roto
e
em convulsões no pélago se arrasta.
Mas
vae por diante a gondola veleira,
e
emquanto o teu amor fôr meu piloto
a
melhor vida é a vida aventureira.'
1892
Amantia Verba
Campos
formosa, intrépida amazona
do viridente
plaino Goitacás!
Predileta do
luar como Verona,
terra feita
de luz e madrigais!
Na planura
sem fim do teu regaço,
quem poderá
dizer que o sol se esconde?
Para subir
aqui — sobra-lhe espaço!
Para descer
aqui — não tem por onde!
Oh Paraíba,
oh mágica torrente,
soberana dos
prados e vergeis!
Por onde
passas, como um rei do oriente,
os teus
vassalos vêm beijar-te os pés!
De Otelo
tens a cólera, alteroso,
e o
quebranto das pérfidas sereias:
ora revel,
nas formidáveis cheias,
ora em
tranquilo e plácido repouso!
Pelo teu
dorso quérulo e ondiflavo
vogam
lamentos como nunca ouvi...
Ecos talvez
das lágrimas do Schiavo,
ou dos
tristes amores de Pery!
Quanta vez
fui contar-te as minhas mágoas!
(tu, rio, és
meu irmão, tu também penas!)
Embalavam-me
as tuas cantilenas,
o doce arfar
monótono das águas!
Os meus
passeios preferidos lembro:
beirando o
rio, a Lapa, a Igreja, o Asilo,
tôda aquela
paisagem, tudo aquilo,
nas
luminosas tardes de dezembro!
O sol,
tamanho gasto e desperdício
de tons e
tintas, pródigo, fazia,
que todo o
Paraíba parecia
iluminado a
fogo de artifício!
Nos tempos
do Liceu horas inteiras,
ao pôr do
sol, passava-as no mirante:
monologavam
pelo azul distante
os perfis solitários
das palmeiras!
E vinha-me a
ilusão que era o rei mouro
o último rei
que governou Granada:
Sôbre a
cidade a púrpura abrasada
e as torres
altas, minaretes de ouro!
Em
caprichosa curva em face, a franca,
a límpida
caudal do Paraíba.
E ao largo
alvissareiro, rio-arriba,
o traço
alegre de uma vela branca!
Parecias-me
muito mais estreito
visto dali,
talvez pela distância,
companheiro
fiel da minha infância,
rio que
rolas dentro do meu peito!
Faixa de
opala que a cidade enlaça
pela
cintura, — cíngulo de neve!
Vendo-te, —
vê-se bem que a vida é breve!
Corre, vai,
rio amigo, tudo passa!
Torres de
usinas fumegando a um lado,
para o
poente o Itaóca e em cima e ao fundo,
diáfano
sempre, — um Céu imaculado,
Céu de
safira sem rival no Mundo!
Noite! A
esfera armilar da lua-cheia
do sudário
das águas surge ao lume.
E tudo ao
luar o extranho aspecto assume
dos castelos
da Espanha sôbre a areia!
A
extrema-unção do luar como que invade
a alma das
coisas, sôbre tudo esvoeja:
Faz-se tôda
de mármore a cidade,
vê-se uma
catedral em cada Igreja!
Junho, mês
dos notívagos, corria...
Julieta à
varanda debruçada,
vinha
escutar a flauta enamorada,
nas horas
mortas, pela noite fria...
Tudo no
olvido cai, tudo fenece,
Banco das
Cismas, tudo cai no olvido!
Teu nome
hoje é vazio de sentido,
a nova
geração não te conhece!
Eras outrora
o nosso confidente,
O Parnaso da
Roda, a nossa Ermida!
Banco das
Cismas, quanto sonho ardente
desfeito em
fumo no correr da vida!
Como o rei
Harfagar, meu derradeiro
sono, em teu
seio, mude-se em vigília!
Abrigo e lar
dos que não têm família!
Meu amado
torrão hospitaleiro!
Campos,
formosa, intrépida amazona
do viridente
plaino Goitacás!
Predileta do
luar como Verona,
terra feita
de luz e madrigais!
Nada iguala
os teus dons, os teus primores,
vai de
delícias o teu Céu azul!
Minha terra
natal, ninho de amores,
urna de
encantos, pérola do sul!
1901
Campos dos Goytacazes, RJ, 22 de julho de 2020.
Pesquisa realizada por Genilson Paes Soares.
Fontes:
Jornal Monitor Campista
Jornal A República
Gente que é nome de rua – volume I – 1985 – Waldir P. de Carvalho
Movimento Literário em Campos – 1924 - Mucio da Paixão
Subsidios para a história do jornalismo em Campos - 1927 - Theóphilo Guimarães
Momento Cultural - nº 2 - 1970 - Prata Tavares (editor)
As Grandes Fontes da Inspiração de Azevedo Cruz - 1970 - Newton Périssé Duarte
Azevedo Cruz : sua vida e sua obra - 1992 - Herval de Souza Tavares
Escólio do Poema Amantia Verba de Azevedo Cruz - 1998 - Newton Périssé Duarte
Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional
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