ESTUDO SOBRE A FUNDAÇÃO DE CAMPOS



ESTUDO SOBRE A FUNDAÇÃO DE CAMPOS
(30 de junho de 2016)





ESTUDO SOBRE A ORIGEM E AS DATAS RELEVANTES PARA A HISTÓRIA DO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES

Carlos Roberto Bastos Freitas, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Campos dos Goytacazes.

Este trabalho sobre a fundação do Município que agora apresento é uma versão preliminar, inacabada, pois o tempo desprendido para tal foi pouco. Surgiu de uma reunião deste Instituto Histórico em fins de março próximo, por ocasião das comemorações feitas no dia 28. Para se chegar à frente dos fatos já apresentados de forma esparsa por pesquisadores do passado em suas obras, o tempo precisa ser dilatado. Lembrando que Julio Feydit passou seis anos lendo os Arquivos da Câmara e Alberto Lamego passou a vida em pesquisa, isto é apenas um esboço.
Revisitar a história é tarefa instigante e ao mesmo tempo necessária, pois o acesso mais amplo a documentos e informações nos possibilita trilhar os caminhos já percorridos e os ainda desconhecidos de aspectos do nosso passado. È um processo que precisa ser contínuo. As fontes bibliográficas disponíveis nos remetem a informações e fontes primárias usadas, que precisam ser analisadas sob uma ótica atual, para dirimir possíveis dúvidas sobre algum fato, local ou acontecimento. A importância desses documentos é que eles corroboram e comprovam os atos e fatos que nortearam nossos antepassados e que marcaram a trajetória desta Região.
Muitas cidades deste país têm sua origem em pequenos povoados, pousos de tropas de comerciantes, locais de travessias de rios, postos de controle, cruzamento de caminhos, etc. Em algumas se comemora a emancipação de outra cidade, em outras o orago padroeiro ou a criação de sua Câmara. Além dessas, há outras datas que se comemora, variando de cidades e costumes de cada Região. Dúvidas sempre há, pois acontecem tradições ou costumes, alguns antigos e outros nem tanto. A complexidade da ocupação do território, suas levas migratórias e as dificuldades enfrentadas pelos que nos antecederam é que torna instigante esse tema.
Desde o “descobrimento” do Brasil, a Coroa portuguesa empreendia incursões à costa do país, promovendo a instalação de feitorias e missões de reconhecimento. Passados trinta anos após a chegada de Cabral, com a crise no comércio com o oriente, ocasionada pela concorrência de outras potências, Portugal volta os olhos para as suas terras na América, dando início ao processo de colonização, iniciado com as chamadas expedições colonizadoras, cujo decano foi Martim Afonso de Souza (donatário da Capitania de São Vicente).
Como a idéia metropolitana era reestruturar seu aparelho colonizador e formalizar sua dominação territorial nas terras descobertas, adotou-se o sistema de Capitanias Hereditárias, que eram extensas faixas de terra (léguas de costa até o interior) doadas aos Capitães Donatários através das Cartas de Doação, onde estavam regulados os privilégios, regalias e deveres destes; e dos Forais, que estipulavam os direitos e deveres dos colonos em relação ao Capitão-Donatário e à Coroa.
Foram criadas no total, 15 (quinze) Capitanias, doadas a 12 (doze) particulares, onde se destacaram as Capitanias de Pernambuco e São Vicente. Dentre as capitanias criadas estava a Capitania de São Tomé, que compreendia parte do atual Estado do Rio de Janeiro, doada a Pero de Góes da Silveira em 28 de janeiro de 1536[1], teve como marco da primeira tentativa de colonização da região o ano de 1539, quando aquele donatário mandou vir da Capitania de São Vicente mudas de cana e cabeças de gado para a construção de um engenho no lugar que denominou Santa Catarina das Mós, localizado ao sul da barra do rio Itabapoana, no Baixo dos Pargos. Exposta aos constantes ataques dos índios e com poucos recursos fracassou a tentativa de povoamento daquela região, sendo somente no século XVII retomada, quando Gil de Góes, herdeiro do primeiro donatário, realiza nova tentativa de povoação, também fracassada em conseqüência dos ataques dos índios[2]. Após esse novo fracasso, o donatário devolve a Capitania à Coroa, através de escritura em 22 de março de 1619, recebendo vitaliciamente uma pensão.
Abandonada, a Capitania passou às mãos da Coroa, sendo em 1627 requerida parte dela por sete capitães, alguns deles senhores de engenho em Cabo Frio e na Guanabara, e que após terem participado das lutas que resultaram na expulsão dos franceses e dos índios do Rio de Janeiro, solicitavam a doação de sesmaria para a criação de gado, com a finalidade de abastecer o mercado do Rio de Janeiro[3]. Doada no mesmo ano de 1627, apenas em 1629 os sete capitães iniciaram a posse da sesmaria. Segundo nos informa Alberto Lamego, em A Terra Goitacá, em 1633, depois de duas missões de apaziguamento dos índios goitacás, chegam as primeiras cabeças de gado à região e é construído o primeiro curral (08/12/1633), situado na região de Campo Limpo, ao norte da Lagoa Feia. Assim, a partir do século XVII tem início o processo de colonização da região, ligado inicialmente à pecuária e, posteriormente, à cultura canavieira.
O Roteiro dos Sete Capitães publicado na obra Apontamentos para a História da Capitania de São Tomé (1888), do campista Augusto de Carvalho, e também na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro por Vieira Fazenda (Tomo 71, 1908), descreve em pormenores as características e os principais pontos de referência do início da colonização. Em 2012, a Fundação Educacional de Macaé publicou uma edição do Roteiro, com a junção comparada das duas versões.
Uma das obras mais antigas, minuciosas e completas que trazem informações sobre o modelo de exploração econômica, a topografia, a fauna e a flora, é a Descrição Geographica, Pulitica e Cronographica do Districto dos Campos Goaitacaz, relatório escrito por Manoel Martinz do Couto Reis em 1785 e publicado pelo Arquivo Público Municipal em 2010. Couto Reis era paulista de nascimento, militar e cartógrafo renomado, desempenhou suas atividades em várias regiões. Faleceu em 1827.
Outra publicação que também traz informações sobre a região é a do padre Manuel Aires de Casal, publicada em 1817, intitulada Corografia Brasílica. Essa obra faz um relato sobre o descobrimento, descreve particularidades da topografia, flora, fauna e dos nativos aqui encontrados pelos portugueses e também uma descrição sistemática de todas as províncias que formavam o país à época, com seus limites, principais rios, tipos de solo, descrição dos distritos e suas vilas, meios de transporte, população, produção agrícola e mineral. Apesar de não ter sido um viajante como os naturalistas de sua época, suas pesquisas se baseavam em informações colhidas em dados oficiais e bibliotecas.
Além dos acima citados, há uma obra inestimável e completa sobre a região escrita por Alberto Lamego, A Terra Goytacá, em oito volumes. Também produziu outros escritos sobre a região.
Outros escritores como Julio Feydit, Augusto de Carvalho e Alberto Ribeiro Lamego (filho) também produziram relevantes obras sobre o passado da Região. Há mais escritores que produziram obras ou citam a região, mas seria alongar o tema.
A ECONOMIA REGENDO A VIDA NA COLÔNIA
Para dar mais viabilidade ao processo de colonização de suas terras na América, Portugal incentiva a produção e o comércio do açúcar, para o qual passou a utilizar majoritariamente a mão-de-obra compulsória de escravos da Guiné, como eram chamados os negros africanos. A organização da produção deste bem de exportação estava centrada no Engenho, isto é, nas grandes unidades agro-exportadoras. A existência destes engenhos gesta e formata uma sociedade colonial pautada na existência de uma marcante aristocracia açucareira, que tanto possuía capital (propriedades e escravos) como também dominava as Câmaras Municipais, cujas funções, “estendiam-se por vários setores da vida econômica, social e política da Colônia”[4].
A partir da segunda metade do século XVI e, ao longo do século XVII, o açúcar foi a base da economia colonial, apesar de seu alto custo inicial de produção que demanda muitos tratos culturais (preparo da terra, plantio, manutenção e colheita), exige mão de obra com alguma especialização, ferramentas para o cultivo, transporte e equipamentos para moagem e produção do açúcar. A descoberta de ouro nas Minas Gerais mudou a estrutura da economia colonial, suplantando o açúcar como principal produto. Quando a extração de ouro declinou no século XVIII, o açúcar voltou a ser a principal fonte de renda para Portugal no Brasil.
Ao findar o século XVIII, a maior parte da região se encontrava ocupada e divida em pequenos lotes aforados principalmente aos quatro grandes latifundiários daquele período inicial da colonização: a Fazenda do Colégio, ou de Nossa Senhora da Conceição e Santo Inácio – antes dos jesuítas e, após a expulsão destes pelo marquês de Pombal no ano de 1759, arrematada pelo comerciante português Joaquim Vicente dos Reis –, a Fazenda de São de Bento, a do Visconde e a do Morgado – fundada por Maldonado e depois adquirida por João José de Barcelos Coutinho. As três primeiras localizavam-se na freguesia rural de São Gonçalo e esta última ao sul da Lagoa Feia.
Muitos autores, como Couto Reys, Julio Feydit , Lamego e Lana Lage ressaltam que a cultura da cana se distinguia em Campos das outras regiões canavieiras exatamente por ser feita em regime de pequena propriedade, não se utilizando de escravaria numerosa ou grandes equipamentos de beneficiamento. Alberto Lamego também afirma que o desmembramento natural da terra que se estende entre lagoas condicionou a dispersão do homem, isto é, de acordo com ele, fica patente que na região a ocupação do solo e a distribuição de atividades produtivas, de consumo / subsistência e comercialização de excedentes esteve condicionada à imposição do meio geográfico. Estava este meio, portanto, recortado por pequenas propriedades que, por sua vez, dominavam a produção econômica com o excedente de sua produção[5].
A FUNDAÇÃO DA VILA
A coroa ao dar início à sua obra colonizadora de forma regular, com base no governo local, passou a erigir vilas e instaurar órgãos do incipiente Poder Judiciário. Em 1532, tivemos a primeira vila, organizada por Martim Afonso de Sousa em São Vicente, pequeno núcleo ou simples feitoria desde os primórdios da história do Brasil.
As vilas são as primeiras instituições regulares da nossa evolução político-social, primeiros passos da Nação, células das Capitanias, Províncias e do futuro Estado.
Caio Prado Jr. ao definir vila comenta:
(...) vila, sede dos termos e comarcas, que se concentram as autoridades: ouvidores, juízes, câmaras e as demais. (...) Ou se tratava de uma vila, então todas aquelas autoridades deviam estar presentes, ou não era vila, e não tinha nada[6].
O título de cidade era puramente honorífico, e não trazia privilégio algum. Havia as seguintes cidades nos primeiros anos do século passado [XIX]: São Paulo, Mariana, Rio de Janeiro, Cabo Frio, Salvador, Olinda, Paraíba, Natal, São Luis do Maranhão, e Belém do Pará. As cidades sedes de bispado se chamavam episcopais (Bahia, arquiepiscopal). Mariana, embora cidade episcopal, não era nem sede de comarca, e pertencia à comarca de Vila Rica (Ouro Preto). Cabo frio era cidade porque desde sua fundação adotou este título, não se sabe bem por quê. As demais são de criação expressa, e se originam de antigas vilas[7].

A fundação da Vila, envolta em falta de informações precisas quanto aos nomes de seus fundadores e data, ainda será objeto de pesquisas mais aprofundadas, pois isso é um processo lento e realizado a várias mãos. Recuperar e tornar público os personagens envolvidos é um tributo aos que empreenderam esforços e recursos pessoais para concretizar o povoamento da Região. Couto Reis observou que “no descuido dos tempos naufragaram as melhores notícias da antiguidade e com elas os arquivos das Câmaras, dos quais apenas se apresentam à nossa idade pequenos fragmentos para nossa memória.”
Diante da riqueza natural da região, especialmente geográfica, interesses vários se voltam para as terras que, ainda na primeira metade do século XVII não haviam sido efetivamente colonizadas pelos sete capitães, já que, em realidade, alguns já haviam inclusive falecido. De modo que em 1648 é lavrada escritura de composição entre Miguel Ayres Maldonado e Antonio Pinto, apenas dois remanescentes dos iniciais sete capitães, Salvador Correia de Sá e Benevides, Governador do Rio de Janeiro, e as ordens religiosas dos beneditinos e dos jesuítas (cópia na Biblioteca Nacional). Através desta, o poder eclesiástico solidifica sua presença na então capitania de São Tomé.  A Igreja passou então a fazer parte do processo de colonização da região e a ter grande participação nos seus acontecimentos. E essa representação era de extrema importância em um período em que a Igreja Católica detinha grande influência perante a Coroa e a sociedade.
Lamego Filho, na Planície do Solar e da Senzala,[8] cita algumas causas do abandono da região, como a resistência e ferocidade dos nativos ao contato com colonizadores, os temíveis bancos de areia que afastavam os navios do litoral e os areais à beira mar que escondiam as férteis planícies.  E também fala sobre uma passagem dos jesuítas, em fins de 1619, e do seu êxito com os indígenas é que nasce a cobiça da terra com o seu conhecimento. Mais à frente, mostra que desde 1622, no pontal ao sul da foz do Paraíba existia um grupo de pescadores de Cabo Frio, citando José Martins Fernandes (1868)[9]. A atual vila de Atafona seria assim a mais antiga povoação da planície.
Em contrapartida, no Roteiro dos Sete Capitães não há referência a esses pescadores e sim, a alguns náufragos (degredados) que viviam entre os índios e foram posteriormente envolvidos no processo colonizador como sesmeiros.                                                                                                                   Segundo Feydit, quando tem início a colonização, alguns moradores passaram a fixar-se na margem do rio Paraíba e quiseram eles construir a primeira igreja Matriz na atual Praça São Salvador. Não havendo aceitação por parte dos índios, uma vez que se encontravam enterrados ali seus antepassados. Dessa forma, constroem em 1648[10], a primeira igreja Matriz onde hoje é a Igreja de São Francisco. Há relatos de que em 1648 havia uma tosca capela coberta de palha e alguns casebres em áreas próximas. Segundo Vivaldo Coaracy: “Salvador Correia mandou fundar no seu terreno, em seiscentos e cinqüenta e dois, uma ermida dedicada a São Salvador, e entregou-a aos cuidados dos monges beneditinos, fazendo-os de mais a mais (e bem injustamente) Juizes Eclesiásticos”[11].
Em 1652, de acordo com Lamego, a capitania de São Tomé contava com um número de 70 moradores [livres], que sentiram a necessidade, para uma maior organização, de erigir a Vila de São Salvador e de ter um representante da coroa mais próximo do que a comarca de Cabo Frio, pois a sua Câmara Municipal (de Cabo Frio) se localizava distante para resolver as questões da região. Este pedido é deferido pelo Ouvidor-Geral João Velho de Azevedo. Ao ver a petição deferida, fazem no mesmo ano uma eleição para a Câmara e esta realizou a primeira sessão em 1 de janeiro de 1653, legitimando a criação da vila. Couto Reis cita em apenas três linhas o empenho dos moradores “para criar entre si uma república para se evitarem as desordens e orgulho que entrava a respirar nos indômitos moradores.”
Alberto Lamego escreve:
É indiscutível a affirmativa, diante da prova documental que offerecemos. Em 1652, os moradores da capitania de S. Tomé, já então em número de 70, representando ao ouvidor D’ João Velho de Azevedo sobre a conveniência de erigir-se a villa, lograram ver deferida a sua petição e in-continente elegeram os officiáes de câmara que realisaram a sua 1.ª sessão no dia 1 de Janeiro seguinte[12].

Faz referência ao movimento contrário ao funcionamento da Câmara e às ações empreendidas pelos que se sentiram prejudicados:
A noticia da creação da villa chegou ao conhecimento dos moradores do Rio, que em Campos tinham os seus sítios e curráes e, homens poderosos, representaram ao mesmo ouvidor contra o facto, allegando que ”os Campos lhes pertenciam” e pedindo não só que fôsse revogada a ordem que expedira para a creação da villa, como a expulsão de todos os seus moradores.

Houve uma vila oficial em 1652, tendo esta uma Câmara Municipal, concretizando a legalidade desta vila em 1º de janeiro de 1653, com a posse dos vereadores e a primeira sessão. O Termo de posse de Câmara, redigido por um tabelião e com as assinaturas dos eleitos está sob a guarda do APM. E esta Câmara Municipal atuou fazendo, de início, uma organização espacial do ‘centro’ em torno da primeira igreja Matriz. O que veio a ocorrer depois disto por questões políticas, não irá modificar a comprovada existência da Vila de São Salvador que funcionou ainda por um determinado tempo, até 1657, quando a coroa definitivamente após ter ouvido autoridades e a Câmara do Rio de Janeiro, decidiu pela extinção da Câmara.
A segunda tentativa - que ainda não consegui ver os documentos que comprovam sua ocorrência - é citada por Lamego e outros autores. Com o passar do tempo a população aumentou, já existindo algumas casas de palha à margem do Paraíba, quando em 1672 os moradores tentaram reativar a Câmara e, que, por conseguinte levaria ao funcionamento da vila. Tentativa fracassada, uma vez que não deixaram isso se concretizar os que se diziam senhores e possuidores dos campos. A acusação contra os moradores da capitania era que as terras estavam sendo ocupadas por “facínoras, e soldados fugidos que se sustentavam de suas fazendas <<e rosarias>> e que iam fazendo engenhos de aguardente”.[13] Pedem, então, que sejam despejados todos os intrusos.
Existe na Biblioteca nacional, um códice, onde um tabelião havia copiado a mando do Vice-rei (Luis de Vasconcelos e Souza), os livros da Câmara com as informações que achasse mais importantes, vai até o ano de 1788. Nesse códice há uma petição datada de 1673 em que oficiais da Câmara da Vila de Sam Salvador dos Campos solicitam autorização para fazer uma vila, “por se verem oprimidos das vexações que os criadores de gado que morão no Rio de Janeiro lhes estão fazendo por seus feitores e negros.” Couto Reis (p.129) também cita essa tentativa afirmando que a posse ocorreu em 2 de setembro.
Em 1674 parte da Capitania foi doada em forma de Morgado a dois filhos do General Salvador Correia de Sá, 20 léguas para Martim Correia de Sá e 10 léguas para João Correia de Sá, que se comprometiam a fundar duas vilas, uma no porto do mar e outra mais para o sertão. Dando início ao domínio dos Viscondes de Asseca, até meados do século XVIII.  Em 1653 e 1672 tinham sido os próprios Correa de Sá que maior oposição haviam erguido contra a criação da vila nos Campos. Com a doação da capitania, era preciso cumprir o encargo da criação das duas vilas, que na realidade já existiam, só não sendo reconhecidas como tal.
Segundo Lamego, em 1676 fazem um novo pedido de criação da vila, sendo justificado ao entregar uma certidão do vigário da igreja de S. Salvador, que dizia existir sessenta moradores na capitania da Parahyba do Sul. O Procurador da Coroa deu parecer para o Ouvidor do Rio de Janeiro escolhesse o Provedor da Fazenda. O Conselho Ultramarino concordou com os nomeados em 29 de fevereiro de 1676[14]. O general Salvador enviou alvará de posse para Thomé de Sousa Correia e este passou, em 29 de maio de 1677, para o capitão Francisco Gomes Ribeiro, nomeado para o cargo, por Martim Correia Vasqueanes, governador da capitania. “Nesse mesmo dia ocorreu a fundação da Villa de S. Salvador, elegendo-se os officiaes da Câmara”[15].
Couto Reis cita (p.130) que em 1677, “eram passados dois anos da ereção da Vila de São Salvador” e foi confirmada por ordem do Rei Pedro II, pelo Juiz Ordinário de Cabo Frio em substituição ao Ouvidor e Corregedor do Rio de Janeiro, que estava enfermo, confirmando a data de 29 de maio.
Após a expulsão dos Jesuítas em 19 de janeiro de1759, que tiveram seus bens seqüestrados pela Coroa, a reorganização da administração do reino pelo Marques de Pombal teve continuidade. Os bens móveis e imóveis seqüestrados dos jesuítas foram, em sua maior parte, leiloados com um bom aporte de recursos. Em Campos a fazenda do Colégio, onde hoje se abriga o Arquivo Público, foi arrematada pelo rico comerciante Joaquim Vicente dos Reis.
            Na organização das antigas Capitanias em Províncias após a independência, durante o período regencial, a do Rio de Janeiro, desvinculada da cidade, a Corte, voltou ao seu antigo território, com o retorno do município de Campos e São João da Barra que estavam sob a jurisdição da Ouvidoria do Espírito Santo desde 1761. Nesse processo de organização administrativa, em 28 de março de 1835 três vilas foram agraciadas com o título de cidade: Angra dos Reis, Campos e Niterói a capital da Província. Na época aconteceram muitas festividades pelo Município. Apenas em Campos essa data ainda é comemorada.
Minha conclusão:
Pelo exposto, fica patente que existem muitas datas passíveis de alguma comemoração por serem e representarem o fio condutor da nossa História particular. Mas qual delas seria a mais importante? A mais representativa? Qual englobaria a essência do Município? Qual a que definiria as maiores comemorações? Ainda o que comemorar? Nesse caso haverá certamente opiniões distintas, com argumentos bem estruturados ou apenas simpatia por algum fato relevante.
Defendo que a data mais importante e oficial, sem casuísmos e datas paralelas para comemoração oficial de um Município deve ser a que marque de forma clara o seu nascimento como ente público, de caráter permanente e oficial, com representatividade e legalidade, aceito pelos demais e que preste contas a algum ente público superior administrativamente. Assim, a posse da primeira Câmara em 1º de janeiro de 1653 preenche esses requisitos.
Obrigado.


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[1] Frei Vicente do Salvador assim nos narra a doação da Capitania: “Em companhia de Pedro Lopes de Souza andou por esta costa do Brazil Pedro de Góes, fidalgo honrado, muito Cavalleiro, e pela afeição que tomou à terra pedio a El Rey D. João que lhe desse n’ella huma Capotania, e assim lhe fez mercê de concoenta legoas de terra ao longo da Costa ou as que se achassem donde acabassem as de Martim Affonso de Souza athé que entestasse com as de Vasco Fernandes Coutinho (...)”. In Feydit, p. 17 Vale ressaltar que a data em questão é referida por Feydit como sendo do ano de 1539, e não 1536. P. 29
[2] Segundo a historiadora Lana Lage, “as lavouras de cana estabelecidas pelos dois donatários situavam-se às margens dos rios Itabapoana e Itapemirim, até onde se estendiam as terras da capitania”, que permaneceram abandonadas até o ano de 1627. LIMA, Lana Lage da Gama Lima, p. 78.
[3] A Carta de Sesmaria foi doada aos seguintes capitães: Gonçalo Correa, Duarte Correa, Miguel Ayres Maldonado, Antonio Pinto, João de Castilho, Manoel Correa e Miguel Riscado.
[4] Francisco Carlos Teixeira da Silva, 1990, p.63.
[5] 1945, p. 103.
[6] PRADO Júnior, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. Colônia, 1977, p. 303.
[7] Idem, p. 306, nota 8.
[8] A Planície do Solar e da Senzala, p. 93.
[9] In: José Martins Fernandes. História do Descobrimento e Povoação da Cidade de S. João da Barra e dos Campos dos Goitacazes. Rio de Janeiro, p. 45, 1868.
[10] FEYDIT, 1900, p. 260.
[11] O Rio de Janeiro no Século XVII.
[12] A Terra Goytacá, vol. I, p. 91.
[13] A Terra Goytacá, vol. I,  p. 103
[14]  Idem, Vol. I, p. 137
[15]  Feydit,  p. 138

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